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"Memórias Póstumas de Brás Cubas"


Livro

«Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.»



Considerado um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, Machado de Assis nasceu a 21 de Junho de 1839, no Rio de Janeiro, Brasil. Com uma obra imensa, que inclui mais de dez romances, duzentos contos, dez peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de seiscentas crónicas, abrangendo quase todos os géneros literários, foi em 1881 que publicou o livro que daria uma nova direção à sua carreira literária, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, considerado o introdutor do Realismo no Brasil. Uma obra de grande originalidade, em que um defunto narra a sua história do fim para o princípio. A dedicatória "ao verme que primeiro roeu estas frias carnes do meu cadáver", prima pela ironia e anuncia um romance num estilo desconcertante.

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